quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Violência urbana


A aurora durante esse meado do mês de setembro de 2012 tem sido abafada. O sol aparece no horizonte com uma preguiça que não lhe é comum. Depois, ao longo do dia, castiga como que se não tivesse piedade. Uma fumaça baixa prenunciando uma garoa que não vem acabada por dar um tom entristecedor ao horizonte visualizado do 14º andar de um edifício central na cidade de Goiânia, capital do Estado de Goiás. Dois gaviõezinhos carijós, já em processo de extinção nos campos, pouco maior que um bem-te-vi, em voos rasantes emitia um som diferente no seu canto. A princípio, a ideia que se tinha era de que estavam em um balé de acasalamento. Os telhados de amianto cobrindo os edifícios são locais escolhidos para a construção de ninhos. Assim que o sol banhou o beiral de um dos telhados apareceu todo imponente um enorme gavião Carcará. Só então o observador pode ter certeza de que não se tratava de balé de acasalamento, tão pouco aquele canto tratava-se de uma canção de amor. O casal de gaviõezinhos carijós em seus voos rasantes tentava defender o seu ninho, e o canto era um grito de desespero. Na medida em que o dia ia clareando mais rasantes eram os voos. O todo poderoso predador se limitava a abaixar a cabeça quando aqueles kamikazes se atiravam contra o inimigo. O observador desejou uma espingarda de pressão moderna para proteger o casal em desespero. De onde estava era como se diz na roça ‘colocar o chumbinho no carcará com a mão’. Mas a arma não existia. Na cidade não se pode ter uma arma, nem mesmo para a defesa. Restava a ele observar. Torcer para que o ninho não fosse atacado. Assim que o sol se apresentou por interno o imponente personagem na canção de João do Vale deu alguns passos cheios de preguiça e alçou voo. Os gaviõezinhos carijós desapareceram. De pouco adiantou a torcida do observador. Naquele momento o Carcará fazia o ‘quimo’ de seu belo breakfast daquela manhã.

Luiz Humberto Carrião
Setembro, 2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Reflexões

Noutro dia perdi um daqueles amigos ‘que não cabe num abraço’, como reverencia o poeta. Nesses momentos por mais estruturados que sejamos a fragilidade se faz presente. Acabamos por olhar pra dentro de nós mesmos e perguntar, e aí?

Ao completar 50 anos de idade, trabalhando na redação de um suplemento agropecuário de um semanário de Goiânia, fiz que como num desabafo na coluna que escrevia que a partir daquele momento iria preocupar-me com os meus direitos, já havia dado importância demais aos deveres. O que eu não sabia é que os deveres são eternos. E como tal, intermináveis. E, como para viver plenamente os direitos há que se estar em dia com os deveres, conscientizei! Jamais vou conseguir viver plenamente meus direitos.

Encontro-me naquele grupo de brasileiros que logo pela manhã através de uma ‘caneta’ fura um dos dedos para medir a glicemia. Os que têm responsabilidade mantêm-se em atitude ‘paulina’ à dieta prescrita pelo profissional da saúde, mas outros como eu, em que os deveres impediram de viver os direitos, têm no poeta argentino Jorge Luiz Borges a referência: ‘Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros [...] Mas vejam só, tenho 85 anos e sei que estou morrendo’.

Para alcançar os 85 do poeta restam-me tão somente 26. Por isso, vou a partir de agora passar a ‘cometer mais erros’ a fim de evitar um arrependimento futuro.

Luiz Humberto Carrião
Setembro, 2012