O autor tem razão ao afirmar que a História é inquietante: ignoramos o seu rumo. “Nada nos diz que amanhã não será pior, que o futuro não possa suscitar mais atrocidades que ontem, mais guerras exterminadoras ou mais racismo violento, e tudo isso sem um fim previsível. Somente algumas religiões, ao predizerem o fim do mundo coincidindo com uma prestação geral de contas da História dos homens, o juízo final, lhe determinam uma temporalidade precisa, com um começo e um fim.”
Para o autor, professor emérito da Sorbone, historicamente, o depois sempre dá seu sentido ao antes. Exemplifica através a assertiva de que “... a revolução dá seu sentido às revoltas que a precederam; … a Primeira Guerra Mundial é anunciada pelas convulsões balcânicas de 1913...” e assim caminha a História onde o depois sempre dá seu sentido ao antes.
(1) O nascimento de Cristo
O antes é o bloco imperial augusto e marmóreo do Império Romano que domina inteiramente mundo conhecido e para quem os cidadãos de Roma exploram no melhor de seus interesses os povos vassalos e os numerosos escravos.
O depois é o nascimento do indivíduo como valor universal, livre, igual a seus irmãos, adorador de um Deus único, de um Deus de amor gerado por uma mulher.
(2) A queda do Império Romano
O antes é a ficção da unidade do mundo romano, que se mantém vivo até então por meios artificiais e se torna cristão a partir do reino de Teodósio. O império do Ocidente só continua pela forte resistência do império do Oriente, mais sólido.
O depois de 476, muito tempo após as grandes invasões, constitui a ruptura da unidade do mundo mediterrâneo com o desaparecimento definitivo do império romano do Ocidente. É também o aumento da intolerância religiosa em consequência do crescimento das primeiras heresias nos reinos bárbaros, que contribui para impedir a reconstituição de uma unidade.
(3) A Hégira
O antes da Hégira, o ano I da era muçulmana, o ano de 622 da era cristã, representa a divisão do mundo conhecido entre os reinos bárbaros do oeste da Europa, fragmentados, divididos e ainda submetidos às invasões, e o império bizantino cristão que sobrevive a leste do Mediterrâneo.
O depois a Hégira é a conquista muçulmana, a guerra santa, mantida pela fé de uma nova religião que deixa subsistir no Oriente um império bizantino enfraquecido e que estende seus avanços no Ocidente até a Espanha e ao sul da Gália, cortando em dois o Mediterrâneo durante quatro séculos.
(4) A coroação de Carlos Magno
O antes de 800 é na Europa a anarquia de reinos impotentes diante das novas invasões bárbaras dentro de seu território.
O depois de 800 é a Europa civilizada pelo cristianismo expandida e, direção ao norte e a leste, livre da influência do Islã ao sul. Sob o abrigo das marcas de Carlos Magno, ela pode se considerar e se dizer reunificada: a ideia de um império renasce no Ocidente, graças a coroação de Carlos, o grande, pela única autoridade espiritual que sobreviveu ao antigo império romano. Essa reconstituição da Europa do Noroeste e o prenúncio da imagem de uma Europa unida.
(5) A tomada de Constantinopla pelos turcos
O antes de 1453 é a sobrevivência de um Estado cristão incrustado no Oriente. O Império de Bizâncio é uma espécie de exceção cristã em um mundo muçulmano.
O depois de 1453 é a ameaça permanente do avanço muçulmano no Mediterrâneo e na Europa danubiana. É a instalação do Islã turco, senhor de um imenso império, que se estende do Oriente Próximo até a Europa.
O Mediterrâneo se fecha. A rota das riquezas do Oriente é vetada para o Ocidente cristão. É necessário procurar em outro lugar, em direção ao oeste, as vias de desenvolvimento para uma Europa nascente.
(6) O descobrimento da América
O antes de 1492 é o infortúnio do mundo mediterrâneo dividido entre o islã e duas Cristandades antagônicas, irreconciliáveis, a do Oriente e a do Ocidente. É também a miséria e a guerra entre os turcos otomanos e as poderosas nações de religião católica ou ortodoxa.
O depois de 1492 é a entrada para a História do novo continente americano, é o abandono, por parte do grande comércio, do Mediterrâneo entregue às suas lutas intestinas, é a exploração progressiva das fabulosas riquezas do outro lado do Atlântico, o que desloca em direção ao noroeste da Europa os centros de poder.
(7) Martinho Lutero
O antes de 1517, a Igreja católica ainda é universal na Europa ocidental, onde o papado de Roma não é seriamente contestado, mesmo se criticado em razão de vários abusos e de sua incapacidade de corrigi-los. Mas ele soube domar as heresias e impor-se aos soberanos dos Estados.
O depois de 1517, pela iniciativa do monge alemão Martinho Lutero, a reforma protestante contestava a supremacia espiritual de Roma, divide os Estados Europeus que adotam a nova religião e que se opõem dessa forma aos Estados católicos. A reforma inciada por Martinho Lutero anuncia um longo período de guerras de religião que causarão a norte de vinte milhões de pessoas na Europa.
(8) A Revolução Francesa
O antes de 20 de junho de 1789 a França é governada por uma monarquia de direito divino, um Estado que extrai sua legitimidade unicamente da sucessão dos reis, baseada no costume, e de uma organização social fundada no princípio do privilégio, que rege toda a sociedade. Ela é dividida em três ordens: a nobreza, o clero e o terceiro estado. Cada uma dispõe de um lugar estabelecido em instituições representativas, sem poder legislativo, como os Estados Gerais convocados pelo rei ou os Estados provinciais, quando as províncias possuem um.
O depois de 20 de junho, os deputados eleitos pelo povo, reunidos em assembleia constituinte, declaram que a lei é superior ao rei e afirmam que a lei é comum a todos. É uma revolução. Falta somente abolir o privilégio.
(9) A Primeira Guerra Mundial
O antes de Serajevo, em junho de 1914: a Europa dos reis prossegue tranquilamente a conquista e a exploração do mundo, não sem batalhas entre as nações e não sem resistências populares e coloniais.
O depois de Serajevo é o nascimento de um novo mundo: a Europa perdeu o primeiro round, causando e sofrendo a primeira grande carnificina da História. Dois Estados que deram dois milhões de homens para a coalizão aliada destacam-se, a Rússia revolucionária e os Estados Unidos vencedor, e impõem em Versalhes os princípios de um direito internacional ao qual todos os povos devem aderir: Wilson contra Lênin.
(10) A Declaração de Balfour
O antes dessa declaração, os judeus não dispõem de nenhum estabelecimento oficial no mundo que ofereça a seu povo uma segurança.
O depois dessa declaração, torna-se possível obter um estabelecimento oficial e fortalecê-lo até que se transforme em uma nação independente e soberana.
(11) O Holocausto
O antes do Holocausto, o massacre de judeus e de ciganos, de 1941 a 1945, nos campos de extermínio, é a invasão da Europa pelos nazistas, é o estabelecimento da ordem negra diante da ordem vermelha, o que implica a perseguição dos opositores e particularmente dos judeus, vítimas da política racista de Hitler, mas ainda não a morte cínica e cientificamente programada.
O depois do Holocausto, o maior crime da história cometido deliberadamente contra a humanidade, é a inclinação dos povos do mundo inteiro na direção da busca, contra todas as agressões de uma proteção sem concessões, dos direitos elementares do homem e principalmente do direito de viver.
(12) Hiroxima
O antes de Hiroxima, as guerras podem ser tecnológicas, terroristas, atentatórias contra os direitos humanos, mas elas não possuem meios para garantir a destruição instantânea e total de uma população.
O depois de Hiroxima, está provado que essa destruição é possível em uma escala cada vez mais vasta. O mundo entra na era do superamento atômico e na era do equilíbrio pelo terror entra as duas grandes potências que dispõem da arma: os Estados Unidos e a URSS.
(13) A independência da Índia e do Paquistão
O antes de 1947, o sistema colonial persiste no mundo. As metrópoles enfraquecidas pela guerra impõem o retorno à ordem em suas colônias.
O depois da independência da Índia, conquistada em 1947, um poderoso movimento de descolonização se ergue no Terceiro Mundo, e ele conduz progressivamente à independência de todos os países colonizados, inclusive as Filipinas e a África do Sul.
A comunidade de potências aumenta na ONU, com a eclosão das novas nações em todos os continentes. Um novo mundo nasceu, e ele encontra seu lugar no “Terceiro Mundo”.
(14) O Tratado de Roma
O antes de 1957, a Europa, que é constituída em nações antagonistas, está entregue às revoluções, às guerras de independência, aos imperialismos, às angustiantes rivalidades econômicas. Sua unificação é um sonho de intelectual, uma ideia que parece impossível de colocar em marcha.
O depois de 1957, a Europa unida conhece um crescimento rápido, ignora durante meio século as guerras, começa na concórdia e na propriedade a construção política de suas instituições, para se posicionar no mundo como um grande conjunto democrático.
(15) O Muro de Berlim
O antes da queda do Muro de Berlim, derrubado em 1989, é a guerra fria, é a Europa cortada em duas, é a ideologia comunista primeiramente dominante em 1945 e depois mantida por maio da repressão que se seguiu, nos países do Leste, após as revoltas das populações da Alemanha, da Polônia e da Tchecoslováquia...
O depois do acontecimento de 1989 é o degelo do Leste, o triunfo absoluto da potência do Oeste, que tem como consequência o surgimento do mundo da pax americana que culmina com a guerra do Golfo. É também a revelação e a denúncia dos gulags, que desonraram o regime comunista.
(16) O 11 de setembro em Nova York
O antes de 11 de setembro de 2011 é para o mundo a pax americana, definida e aceita após a guerra do Golfo pelo concerto das potências que estão empenhadas em manter o mundo num estado de direito em conformidade com os direitos do homem.
O depois de 11 de setembro é o perigo que se instala no santuário americano, é a vitória do terrorismo cego no campo ocidental dos direitos do homem, é a entrada da História em uma zona de turbulência que dá de forma brutal a palavra a todos os excluídos da ordem mundial. Essa instabilidade questiona a eficácia da repressão e o retorno à ordem sob a égide do “concerto das nações”.
Comentário
O autor parte de Jesus Cristo como preceito de estruturação do Ocidente e Maomé o Oriente. Ambos com raízes Abraão, patriarca dos Hebreus e do Judaísmo. Jesus “filho” de José, o carpinteiro da dinastia de David, descendente de Isaac (Abraão com Sara) e, Maomé, o profeta, descendente de Ismael, filho de Abraão com Ester, escrava escolhida para lhe dar um filho varão com a finalidade de sucedê-lo no patriarcado diante da infertilidade de Sara que, depois no nascimento de Ismael, através de uma concessão divina deu a Abraão a amargura paterna: Ismael (bastardo) ou Isaac (legítimo). A escolha recaiu sobre Isaac e Ismael com sua mãe, segundo a narração bíblica, após receberem pão e água desligaram da tribo de Abraão e vagando pelo deserto formaram o que mais tarde seriam os Árabes.
Jesus Cristo torna os deuses romanos insignificantes, “não porque são múltiplos e ele somente um. Mas porque esses deuses de pedra são imagens, ídolos que confirmam um poder sem dar nenhum reconhecimento aos indivíduos. Roma aceita e tolera todos os deuses. Em cada cidade do mundo romano, os deuses estrangeiros figuram nos santuários em igualdade de tratamento. O dos cristãos é inadmissível, pois ele é único e condena todos os deuses-estátuas à destruição, incluindo Augusto e Roma. Ele questiona a natureza transcendental da instituição.” […] Jesus “é um homem entre os homens, que dá a seus irmãos a louca esperança de igualdade. Nada de escravos. Um homem é um homem, feito para a liberdade.” Jesus Cristo dissociou no império romano o Poder Divinal do Poder Temporal, e Maomé, em suas predicas a partir de 613, impõe aos Árabes, descendentes de Ismael um Deus único chamado Alá. De uma lado o cristianismo, e do outro o islamismo, ambos, com suas bases no Judaísmo e seus líderes descendentes de raiz comum. Enquanto o cristianismo cresce sobre o lado ocidental do império romano, o islamismo o faz do lado oriental, bizantino.
OBS: ao final de cada capítulo o autor publica uma pequena cronologia facilitando ainda mais a compreensão dos textos.
Interessantíssimo não somente a alunos dos cursos de História, Filosofia, Sociologia, Geografia, Artes, Ensino Médio e Fundamental, em fim, aos cursos de humanidades; mas a todos os cidadãos do mundo.
Luiz Humberto Carrião